04/09/2005 - 09h31Dirceu não quer arcar sozinho com erros do PTCATIA SEABRAda Folha de S.PauloQueixando-se de sobrecarga nas costas, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu tem ameaçado compartilhar com o partido a responsabilidade das decisões políticas do PT. No fim da noite de sexta-feira, no encontro do Campo Majoritário, Dirceu avisou que avaliará os últimos dez anos, passados à frente do partido, e afirmou: "Nenhuma decisão [do partido] foi construída isoladamente. Demorávamos de seis meses a dois anos para construir".
Na reunião --em que foi discutido seu afastamento da chapa do Campo Majoritário nas próximas eleições ao Diretório Nacional do partido --Dirceu afirmou que listará os motivos das opções tomadas, sempre de "natureza política", fossem no comando do PT ou na Casa Civil. Ele disse ainda que, a partir desta semana, não deixará perguntas sem respostas.
"Fui treinado para ter disciplina sob tortura. O que eu quero fazer é o debate político."
Sob risco de perda de mandato, Dirceu também tem repetido a interlocutores que não pode assumir a paternidade das medidas adotadas pelo PT nos últimos dois anos e meio, quando ocupava a chefia da Casa Civil. Reconstituída, sua agenda como ministro servirá para comprovar que não restava tempo para administração financeira do PT.
Outro argumento é que não tem origem sindical, uma prova de que o ex-tesoureiro Delúbio Soares não era de seu grupo. Aliados de Dirceu alegam que, em São Paulo, sempre houve uma disputa entre seu grupo e os sindicalistas.
O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), minimiza o impacto do discurso de Dirceu. Segundo o ele, o ex-ministro não abre mão do direito de justificar publicamente as decisões, como a política de alianças.
Na reunião de sexta-feira, Dirceu resistiu à proposta de deixar a chapa do Campo Majoritário para a eleição do dia 18. Após um telefonema de Marco Aurélio Garcia, em que o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência ameaçou sair da chapa, foi costurado um acordo pelo qual Dirceu continua na chapa, mas só assumiria seu lugar no Diretório após ser inocentado das acusações que pairam sobre ele.
A concentração de informações sobre o partido e o governo está longe de ser o único trunfo de Dirceu no PT. Seu prestígio foi consolidado ao longo dos dez anos de comando do que os petistas costumam chamar de federação de lideranças políticas, o Campo Majoritário.
No PT, os próprios integrantes do Campo classificam a corrente como um pacto pela governabilidade do partido. O próprio coordenador do Campo, Francisco Rocha, diz que, na tendência, questões polêmicas raramente são levadas a voto. E que a corrente reúne, no plano nacional, "figuras que não fazem parte da mesma força regional".
Em 1993, após a derrota da Articulação para a esquerda petista, Dirceu liderou a criação do Campo Majoritário, com absorção das correntes Hora da Verdade e Democracia Radical. De 1995 até hoje, está no comando do PT. "Zé Dirceu é um dos fundadores do PT e do Campo", diz Rocha.
Para explicar seu fôlego, petistas ligados a Dirceu lembram que hoje o Campo conta com os três governadores, a maioria dos prefeitos, ministros e parlamentares do partido. Esses líderes se valeram do PT como instrumento para chegada ao poder. Agora, não é tão simples destituí-lo do papel de comandante petista.
Além disso, há laços pessoais, especialmente em São Paulo, Estado que detém o controle partidário. Hoje comandantes do partido, os petistas de São Paulo temem a perda da estrutura partidária, alimentando resistência ao candidato do Campo à presidência, Ricardo Berzoini.
Fiel da balança na disputa interna --com quase 24% dos votos de todo o país --o PT paulista decide amanhã em quem votar para a presidência nacional do partido.
Somados, os votos dos rebelados de São Paulo podem chegar a 10% dos eleitores no país e levar a disputa ao segundo turno.